terça-feira, dezembro 08, 2009

Afogamento




A noite tranquila iluminada por uma translúcida Lua cheia, que se reflecte sobre o mar que ampara o meu barco, tem apenas o frio, como contrariedade.

Esfrego as mãos, tentando afugentar o gelo que lhes penetra e que as impede de sentirem tudo o que seja, além de dor. Parece não ir chover, está tudo tranquilo. Estou confiante de vir a ser uma noite como as outras.

Preparo-me para me enroscar na minha manta de retalhos, quando subitamente, aterra sobre o mar, uma imensa massa rochosa, pesada e de pontas aguçadas, formando-se de imediato grandes braços de água que atentam contra a estabilidade do meu barco.

Uma manta de água espessa cobre-me, fazendo com que todo o meu corpo entre em espasmo e todos os terminais dolorosos gritem.

Afundo-me.

Do colete salva vidas, há muito que não lhe resta nada e eu vou descendo pelo mar. O líquido que me cobre, começa a fazer aumentar a pressão sobre o meu corpo e sinto cada vez mais, uma constrição sobre as costelas.

Estranho como continuo a respirar apesar de me custar, sinto-me a morrer mas não morro.

Olho para cima e vejo que agora o Sol brilha e que o Céu está azul. Vejo a sombra de dois barcos que se aproximam, param e seguem viagem pela mesma rota.

Continuo debaixo da água que me aperta, me constringe os movimentos e me faz sentir cansada.

Olho para o fundo do mar e vejo a rocha que caiu, farpada, cinzenta, sem vida, contudo com força suficiente para alterar o curso da minha viagem.

Esbracejo e aos poucos vou chegando à superfície, contudo não consigo calcular o tempo que vou demorar...

Enquanto o faço, vou reparando em algumas correntes que dão ao meu destino, porém não as agarro e continuo por mim, a subir, a tentar sair deste sitio frio que me estrangula.

terça-feira, dezembro 23, 2008

Bom Natal!!!

Sendo o Natal uma época de incomparável nostalgia, aqui fica um vídeo antigo, com pipocas no som a assinalar a antiguidade da música.
Um Bom Natal para todos,
Um beijo da vossa
B.V.

quarta-feira, setembro 03, 2008

Setembro

O Sol esconde-se mais cedo, oferecendo-nos tonalidades de vermelho únicas no ano. Já os dias, vão-se deitando mais apressadamente.

Logo a seguir a Dezembro, Setembro é o mês com mais significado no ano, pela nostalgia que traz, por ser, por si só, um mês nostálgico.

Após 3 meses de calor intenso, dedicados à preguiça, Setembro dissolve-se no calendário com a chuva dos primeiros dias. Era sempre assim, que terminavam as minhas saudosas férias grandes.

São 11 horas. Ainda não abri os olhos, mas à transparência das minhas pálpebras, percebo que está mais escuro. Parece que o dia está a amanhecer, só agora.

Os carros que passam, fazem um barulho diferente. –“tssssshhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhh”

Subitamente oiço a chuva a bater com força contra as pedras da calçada, parecendo uma plateia que aplaude, tentando arrancar-me da cama.

Abro os olhos e confirma-se. Está a chover.

A pele descoberta pelos lençóis, sente uma frescura abafada. Levanto-me e vou à janela. Sinto o inconfundível cheiro a terra molhada, acompanhado de um bafo de vapor da água, de quando esta toca no alcatrão quente. Estendo a mão e deixo-a encharcar-se daquele festival de gotículas.

Em simultâneo, recordo os primeiros dias de férias e de como na altura, estes pareciam ser infindáveis. Agora no fim, tentava pôr travões aos minutos que passavam a galope, mas até os catálogos de cores garridas, anunciando o regresso às aulas, me confirmavam a irremediável realidade, de que as férias tinham terminado.

Uma década depois, tudo mudou, à excepção da chuva dos primeiros dias de Setembro.

Hoje a janela já não é da casa perdida na montanha, mas a do meu carro.

Deixo o meu cabelo encher-se de miçangas de água, enquanto inalo o cheiro a terra molhada e me deixo transportar a outros locais, outras recordações.

Viajo pelo arquivo de fotografias, de momentos felizes.

terça-feira, agosto 12, 2008

Demónio de Asas Brancas


São três da tarde. Luís levanta-se da cama atordoado e mal disposto. Liga a música. Esteve na Internet, em mais uma noite de múltiplas conquistas e fugas, até às cinco da madrugada. Horas e horas de conversas malabaristas.

Vai até à cozinha. A louça de três dias, coberta de uma sujidade já crocante, forma uma pirâmide de equilíbrio instável, desmoronando-se ao atirar com uma colher de chá que usou para comer um iogurte.

Luís dá uma golfada de ar com um misto de irritação e resignação. Pondera mais uma vez arranjar uma empregada que possa garantir mínimos de habitabilidade naquela cozinha.

Sacode o rato e de súbito o ecrã ilumina-se. Vê dezena e meia de pequenos rectângulos. Intermitentemente mudam de azul para cinzento, anunciando que há algo de novo. Procura por...

Luís esfrega a testa, afasta os cabelos que entram em conflito com os olhos, tentando-se recordar ao certo o nome dela.

Mariana, era a mais recente potencial conquista.

Não estava. Mas Luís não se ressente. Tem outras quinze, sedentas da sua atenção.

Criteriosamente selecciona as janelas, fechando as que representam conquistas passadas, já consumadas e que as não compreendem o seu lugar.

Ele não resiste. Como um cão de caça que vê a presa a fugir e a fintar os ataques, Luís corre atrás de todas as fêmeas que lhe dêem luta. Em contrário, as que se aproximam mansas, interessadas em observar de perto o predador, são poupadas do seu interesse feroz, contudo isso muda assim que reagem, tentando fugir.

Precisa de atenção, de muita. De muita não, de toda a atenção.

Anjo outrora, hoje caído, após ter voado tão alto que o Sol lhe queimara as asas, Luís é obrigado a deambular pela multidão, insignificante.

Tornou-se vampiro de paixões, amores, sentimentos. Tentando impregnar-se daquilo que sentem por ele, na esperança que os sentimentos dos outros fossem sangue que passasse a correr nas suas artérias, veias e coração.

A frieza de Luís, nada mais é que fuga à dor que não admite ter. Procura voar novamente como já fez e por cada presa que encontra, deseja secretamente que esta seja uma pomba, que lhe dê asas.

Seria Mariana a tal? Ela tinha um misto de misterioso, de uma ingenuidade muito sabida e de uma sensualidade em bruto.

- “Pliem”

Surge o esperado rectângulo azul, anunciando a chegada de Mariana.

Do outro lado do ecrã, também ela, era uma predadora. Aquilo que ela transparecia, era apenas isco para caçadores incautos.

Horas de conversa, tardes e noites seguiram-se. Conversas que eram como combates de Judo. Queriam ambos voar, mas mais junto do tapete ficavam, cada vez que falavam.

Estavam presos a uma imagem passada. Imagem photoshopada pelo tempo, que lhe tirou todas as imperfeições.

Desejosos por cair no jogo do outro, nenhum queria perder.

Outras janelas piscam, e com o passar do tempo outras janelas foram ganhando progressivamente cores mais apelativas.

Partem em direcções opostas. Continuam a caminhar junto ao chão, porque não quiseram livrar-se dos espartilhos e coletes de forças, impedindo-os de mostrar as asas que entretanto ganharam novas plumas.

Ainda pensa que os anjos não têm sexo?

Só enquanto têm as suas asas...

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terça-feira, agosto 05, 2008

Let go...

A média luz sépia, de janela aberta e adiantada na noite, deixo que o vento me toque como fitas de seda, fresco, suave.

Deixo-me transportar pela ondulação do som, saltitando nos anos como pedras de riacho.



domingo, junho 29, 2008

Too late


Maria pressente um crepitar, acompanhado de um bafo quente, escassos milissegundos antes de ouvir uma voz grave e arranhada, junto da sua cama:

- Levanta-te... Já é tarde.

De rompante, Maria salta da cama, com o coração a pontapear as costelas.

Já era tarde para tomar banho, tarde para apanhar o comboio, tarde para poder comer algo.

Ainda assim, Maria esvoaça pelos corredores da casa, tentando calçar as sandálias aos pulinhos. Pega numa maçã que rapidamente coloca na mala, enquanto lava os dentes de nariz empinado, para não sujar a roupa com pasta dos dentes.

Chama o elevador enquanto escova o cabelo e sai de casa insuflada de stress.

Esquece-se das chaves do carro e, furiosa, volta a subir procurando-as sofregamente por todos os sulcos do sofá e por baixo das almofadas.

Quando finalmente as encontra, já era quase tarde demais para ir de carro.

Maria atira-se para dentro do carro que rapidamente põe a trabalhar. Mergulhado numa nuvem de fumo e envolto numa chiadeira infernal, o Fiat Uno esgravata a gravilha das obras do 3º Esquerdo e sai disparado, como uma flecha, daquela sossegada praceta.

Mentalmente Maria tenta engendrar a forma de chegar o mais cedo possível. Já era tarde para ir pelo caminho normal, e vai pela auto-estrada.

A estrada está amanteigada, resultado das chuvas nocturnas. Cedo se apercebe do resultado do terreno escorregadio, ao ver ao longe diversos piscas amarelos e laranja, e luzes azuis intermitentes.

Um acidente...

Maria deixa de piscar os olhos por breves segundos. Não queria crer... já era tão tarde...!

Suspira enquanto desejava ter uma mota, até que num acto de loucura, coloca os quatro piscas e enfia-se na berma da auto-estrada e começa a andar prego a fundo.

Cedo foi mandada parar pela polícia, que mais à frente tomava conta do acidente.

Abordada pelo agente, Maria apenas disse:

“É demasiado tarde...”

Após submetida a diversos testes e ao pagamento de choruda multa, Maria olha o relógio. Os olhos inundam-se.

Já era tarde demais... tarde, demais.

segunda-feira, junho 09, 2008

Quo Vadis


Fios, suor, trabalho.

Teço uma corda que me leve carinhosamente até ao fundo. Fundo que irremediavelmente terei de tocar nesta fase descendente. Fundo preenchido de afiadas estalagmites de gelo firme, do qual vou novamente saltar e me impulsionar para subir os escarpados montes do sucesso.

Corda que me vai impedir de cair e depois me irá guiar pelo caminho ascendente...

Começo a viagem.

Olho em volta do enorme negro abismo. Está preenchido por uma neblina que o torna aparentemente sem fim.

Uma rajada de vento, faz-me dar um passo em frente em direcção ao precipício.

Seguro-me, não caio.

Desenrolo a corda e procuro alguma árvore suficientemente forte que me dê confiança em lhe dar a minha vida.

Não encontro.

São árvores frágeis, mortas e secas, ou distantes, tão distantes que a minha corda não chega...

Procuro em volta uma solução, busco dentro da mala e encontro um pesado prego, que com a ajuda de uma grande pedra, consigo que ele corte o chão árido.

Ato, com segurança, a corda ao prego e testo-a. Aparentemente está firme.

Brevemente os meus olhos perdem o brilho. Irrompem-me pensamentos de desejo de uns braços fortes, que pudessem fazer-me sair daquele buraco negro.

Desperto.

Enrolo a corda à minha volta, aperto-a com várias voltas, e desenrolo o resto. Olho-a com o respeito apavorado de quem não quer cair, de quem não quer andar à deriva.

De costas para o abismo, pés firmemente cravados na sua berma e corda bem esticada, olho para as árvores que imóveis, nada dizem.

Desço,

Ainda assim, antes de desaparecer por entre rochas e raízes defuntas, digo baixinho:

- Até ...