quinta-feira, julho 27, 2006

Peso de um dia perdido...


O vento entra e faz dançar os engomados cortinados cor de marfim, ao mesmo tempo que me toca a pele e me afaga a face e os braços... Transportando o cheiro do verão, quente, doce e seco...

Simultaneamente os meus dedos pressionam as teclas fazendo ecoar um único som seco das peças plásticas que compõem o teclado. O mesmo de sempre... de todos estes anos.

Então... respiro fundo.... despertando-me o ar fresco do início de um novo dia, contudo quente, levando-me a outros dias quentes, de outros quentes anos.

A brisa da noite sempre despertou o meu lado místico, nostálgico especialmente quando banhada de raios de luar brancos e doces que nem açúcar em pó lembrando partículas de gelo.

Paro e viajo por outros dias em que me senti da mesma forma acarinhada, abraçada por esta deslocação de ar suave e tomo consciência que por cada dia que passa, maior é a importância de cada dia.

Além de ganhar altura, pêlos, celulite, e outras acumulações adiposas em partes específicas do corpo, faz parte do "ser adulto" deixar de ter tempo, de poder ter o luxo de desperdiçar um dia que seja, a fazer simplesmente nada de especial.

Prazos, burrocracias (*), responsabilidades, compromissos, tanto a cumprir e tão pouco tempo!

Saudades das quase eternas férias de verão em que me dava ao prazer de estar um dia inteiro em casa a ser somente inútil, preguiçosa, gulosa...

Hoje em dia, nunca o faço premeditadamente, e irrita-me quando por força das circunstâncias tenho uma vivência assim. Vejo-me imediatamente a fazer contas e mais contas para tentar colmatar tamanho e fatal deslize...

Respiro fundo e sinto mais uma lufada de ar fresco a empurrar os cortinados.... agora mais forte...

Engraçado é que tudo isto se trata de relatividade... À medida que o tempo passa, vamos achando que o que lhe antecedeu é que era ideal, e assim sucessivamente.

O meu olhar petrifica e não posso deixar de ter subitamente o pensamento que à medida que crescemos vamos vivendo menos a vida... Eternos insatisfeitos, sôfregos por algo que não sabemos o que é, só sabemos que queremos subir mais um degrau, e mais outro e mais um monte, uma montanha, e uma escada seguida de uma rampa, sem nunca sabermos com certeza se vai dar a algum lado que nos interesse verdadeiramente.

Não seria melhor permanecer no mesmo sítio e deixar que o destino nos encontrasse..? Não estaremos às vezes a fugir dele?

Nunca saberei a resposta. E como não confio na sorte para ditar o meu destino, continuarei a trepar que nem a cabra da montanha, os rochedos escarpados e perigosos da vida.


(*) - não se trata de erro ortográfico

domingo, julho 02, 2006

Portugal, o país do 3 F’s - Fátima, futebol e futilidades

Pronto, pronto!
Rendo-me!

Estamos inundados de vermelho e verde sendo impossível passar pelo fenómeno, despercebida.
Similarmente a uma ténia, o bichinho das conquistas de outros tempos parece ter-se mantido dentro de cada português. Já não temos Aljubarrota, nem Alcácel-Quibir para medirmos forças com outras nações, por isso transpomos toda a nossa ânsia para outro campo de batalha, este de relva aparada, de linhas traçadas e de regras bem definidas (transpostas de formas questionáveis contudo).

Se dantes ganhávamos todos mais uns hectares de terra para plantar, construir e viver, em 2006 d.C. bem... ganhamos a conta da SportTv para pagar, da farmácia de pastilhas para a garganta e de outros fármacos para intoxicações por álcool... e do bate-chapas. Pois claro que saímos com o carro a buzinar na mais efusiva chinfrineira tornando indistinguíveis as buzinadelas de festejo e as de aviso!

Observando por alguns minutos as reportagens que a nossa ilustre televisão nos oferece, e constatando que muitos dos intervenientes apelam ao divino para que Portugal conquiste a tão almejada taça, não consigo deixar de fazer um paralelismo deste fenómeno, com a solicitação dos serviços de urgência dos nossos hospitais.

Vá! Tirem lá esse olhar de “ham?!” já vou passar a explicar.
Tendemos a recorrer aos serviços de assistência máxima, para situações de relevância mínima.

Num país em que recorre ao serviço de urgência de um hospital central, às 2 da manhã, porque se tem um calo no dedo do pé... não me admira então, que se solicite ajuda divina à nossa clínica geral “Nossa Senhora de Fátima”. Adequa-se, de facto, o título de santa, dado que só com “paciência de santo” se consegue tolerar tanta solicitação para tamanha futilidade.

Ora caramba... peçam coisas efectivamente relevantes, preponderantes, importantes!! Não sei como decorre o processamento de desejos ao divino, se são por ordem de chegada, ou se passam por alguma triagem, recebendo uma senha verde, amarela ou vermelha. Contudo, seja como for, acabam por entupir o sistema e o combate à pobreza, à fome, à doença, ao tráfico de pessoas, à violência, à guerra passam para segundo plano... Ora, se isso não vos interessa (na agenda anual a época para lembrar disso, situa-se somente ali por finais de Dezembro), ao menos deixem o divino ocupar-se com as questões que realmente fazem a diferença.

Ganharmos campeonato insufla-nos o ego por meia dúzia de dias, se perdermos, o nosso orgulho, que nem um balão tocado por um afiado alfinete, estoira ficando em nada.
Seja qual for o resultado, em menos de nada acordaremos para ver que mais uma vez os transportes aumentaram (já compraram o passe?), e nada mudou, porque só damos importância ao fútil, e só sabemos dizer o que os outros fazem de mal (hm... *cof*) ao invés de nos responsabilizarmos.

Bem... Só para rematar...

Força Portugal!