terça-feira, agosto 12, 2008

Demónio de Asas Brancas


São três da tarde. Luís levanta-se da cama atordoado e mal disposto. Liga a música. Esteve na Internet, em mais uma noite de múltiplas conquistas e fugas, até às cinco da madrugada. Horas e horas de conversas malabaristas.

Vai até à cozinha. A louça de três dias, coberta de uma sujidade já crocante, forma uma pirâmide de equilíbrio instável, desmoronando-se ao atirar com uma colher de chá que usou para comer um iogurte.

Luís dá uma golfada de ar com um misto de irritação e resignação. Pondera mais uma vez arranjar uma empregada que possa garantir mínimos de habitabilidade naquela cozinha.

Sacode o rato e de súbito o ecrã ilumina-se. Vê dezena e meia de pequenos rectângulos. Intermitentemente mudam de azul para cinzento, anunciando que há algo de novo. Procura por...

Luís esfrega a testa, afasta os cabelos que entram em conflito com os olhos, tentando-se recordar ao certo o nome dela.

Mariana, era a mais recente potencial conquista.

Não estava. Mas Luís não se ressente. Tem outras quinze, sedentas da sua atenção.

Criteriosamente selecciona as janelas, fechando as que representam conquistas passadas, já consumadas e que as não compreendem o seu lugar.

Ele não resiste. Como um cão de caça que vê a presa a fugir e a fintar os ataques, Luís corre atrás de todas as fêmeas que lhe dêem luta. Em contrário, as que se aproximam mansas, interessadas em observar de perto o predador, são poupadas do seu interesse feroz, contudo isso muda assim que reagem, tentando fugir.

Precisa de atenção, de muita. De muita não, de toda a atenção.

Anjo outrora, hoje caído, após ter voado tão alto que o Sol lhe queimara as asas, Luís é obrigado a deambular pela multidão, insignificante.

Tornou-se vampiro de paixões, amores, sentimentos. Tentando impregnar-se daquilo que sentem por ele, na esperança que os sentimentos dos outros fossem sangue que passasse a correr nas suas artérias, veias e coração.

A frieza de Luís, nada mais é que fuga à dor que não admite ter. Procura voar novamente como já fez e por cada presa que encontra, deseja secretamente que esta seja uma pomba, que lhe dê asas.

Seria Mariana a tal? Ela tinha um misto de misterioso, de uma ingenuidade muito sabida e de uma sensualidade em bruto.

- “Pliem”

Surge o esperado rectângulo azul, anunciando a chegada de Mariana.

Do outro lado do ecrã, também ela, era uma predadora. Aquilo que ela transparecia, era apenas isco para caçadores incautos.

Horas de conversa, tardes e noites seguiram-se. Conversas que eram como combates de Judo. Queriam ambos voar, mas mais junto do tapete ficavam, cada vez que falavam.

Estavam presos a uma imagem passada. Imagem photoshopada pelo tempo, que lhe tirou todas as imperfeições.

Desejosos por cair no jogo do outro, nenhum queria perder.

Outras janelas piscam, e com o passar do tempo outras janelas foram ganhando progressivamente cores mais apelativas.

Partem em direcções opostas. Continuam a caminhar junto ao chão, porque não quiseram livrar-se dos espartilhos e coletes de forças, impedindo-os de mostrar as asas que entretanto ganharam novas plumas.

Ainda pensa que os anjos não têm sexo?

Só enquanto têm as suas asas...

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terça-feira, agosto 05, 2008

Let go...

A média luz sépia, de janela aberta e adiantada na noite, deixo que o vento me toque como fitas de seda, fresco, suave.

Deixo-me transportar pela ondulação do som, saltitando nos anos como pedras de riacho.