
Vítima de descanso forçado, tenho tido mais disponibilidade de observar alguns comerciais que passam na caixinha mágica.
Porém, mesmo que assim não fosse, por toda a parte os moopies rebolam incessantemente publicidade relativa aos spreads que cada banco anda a praticar nos créditos à habitação, e das facilidades que cada um trás.
Parece tudo ser tão fácil... (volte atrás e leia isto com um ar bem maquiavélico s.f.f.)
Pouco entendia sobre o assunto... até que, por osmose, acabei por ir apanhando um ou outro conceito sobre este produto, que, a meu ver, é apenas uma forma moderna e como já não somos tão dados a sobrenaturalidades, de vender a alma ao dito rabudo. Afinal é um sonho que queremos concretizar, em tempo de vida útil, mas que nos é absolutamente impossível sem este tipo de ajuda.
Se formos a ver, a diferença é apenas uma... o empregado do balcão do banco nosso eleito, a menos que tenha apanhado um escaldão e a esposa pratique adultério (gosto deste termo politicamente correcto, que normalmente é só usado nos casos em que são os homens os praticantes, porque quando são elas...), não é vermelho, nem cornudo.
No entanto, este senhor também nos mostra um grande sorriso, e diz-nos tudo o que é música para os nossos ouvidos, para conseguir o nosso gatafunho oficial, vulgo, assinatura.
Os bancos tudo fazem, estrategicamente falando, para caçarem as pobres almas ainda livres e inocentes. Ora fazem créditos simpáticos, com cheques oferta, com prestações fixas, com primeiros anos de carência, com a possibilidade de pagar 30% do crédito no fim! Fazem anúncios com jovens que supostamente não chularam os país, nem ganharam a lotaria, e estão em início de carreira, mas que vão viver para uma casa que deve custar no mínimo uns 250 mil euros!
E os spreads? Ui! Ainda tenho esperança de ver a taxa de spread a 0.28999999999% só para não ser a 0.29% que todos os outros fazem! Já que há a 0.30, 0.33, 0.6... e, possivelmente, todas as restantes combinações.
Mais interessante é que a palavra “desde” que surge por baixo, é 5000% mais pequena que a font em bold do número.
Ora... é extremamente fácil conseguir um spread desses, basta:
- termos 200 mil euros para a entrada,
- o imóvel valer um milhão de euros e conseguirmos comprá-lo por uma pechincha de 400 mil euros,
- termos um rendimento anual líquido de 300 mil euros, assinarmos todos os outros produtos que o banco possui, que vão desde poupança reforma, à poupança crescimento dos filhos que ainda não tivemos,
- optarmos por fazer o crédito a 90 anos, sim... 90, não sabiam? Já vamos poder comprometer até duas gerações (ou seja os nossos netos) a pagarem os nossos créditos, ou então a modalidade “post-mortem”. Há cobradores de fraque médiuns que tratam do assunto!
- E!!! Finalmente, mas muito importante! O rendimento dos fiadores! Se tivermos a sorte de termos como fiador o tio Belmiro de Azevedo, e com muita negociação (tendo alguma sorte no empregado que nos atende e na sua influência dentro do banco), já conseguimos ter o spread mais baixinho.
Como vês, são só facilidades!
Para o vulgo pelintra português, que não tem pais para dar um empurrãozinho (isto começa a ser raro, os pais conseguem, na sua maioria, dar sempre um jeitinho), a coisa complica-se.
Quando vamos ao banco, lá tentamos ir um pouco mais aperaltados, para causar melhor impressão (cá isso conta muito, experimentem aparecer de calças de ganga e t-shirt e todos esgadelhados, não um esgadelhado à beto... esgadelhado mesmo de cabelo por lavar há uma semana, que correm logo com vocês). Sentamo-nos naquele cantinho que todos os bancos têm, para tratarem destes assuntos com maior privacidade, já que vamos expor ali as nossas vergonhas, vulgo salário....
Fazemos um sorriso nervoso e:
- Bom dia... (mãos e pés sem saber como os colocar, e aos saltinhos na cadeira)
- Estou interessada em comprar uma casa.... e... (risos nervosos, baixinhos e tímidos) preciso de fazer um empréstimo de 150 mil euros (mais risos nervosos e mãos com comportamento semelhante a bolinhas saltitonas de borracha).
O empregado lá diz todas as opções, ao ponto de nos baralhar e começa a pedir documentação.
Lá entregamos o papel do IRS, mas com a ressalva de...: - “Aah... É que o ano passado não correu lá muito bem...“ (será que o dizemos porque acreditamos que o próximo ano vai ser melhor?! Que sonhadores! Nem nos contos de fadas isso seria concretizável!)
Depois o empregado pergunta-nos se somos efectivos no nosso local de emprego. Se respondemos que estamos a contrato... UUUUUUUUUUUUI aí é que está o caldo entornado.
Depois de colocarmos N opções... chegamos ao ridículo...:
- Então e se eu pedir só 10 euros, a pagar em 50 anos... não me emprestam?
- Não minha senhora, o banco tem de se assegurar que não corre qualquer risco. Mas vamos ver... vamos preencher toda a papelada e logo lhe damos uma resposta.
(eles nunca dizem logo que não... a diferença é que se for não, demoram 2 meses a darem-no hahaha! Adoram pôr-nos neste impasse)
Bem... lá metemos a papelada toda na pasta e vamos embora, com o ego tal e qual uma camisola de lã, após ter ido à máquina a 60 graus.
Mas afinal como é que a Maria conseguiu a casa dos 250 mil euros sem chular os pais e sem ganhar a lotaria?
Vamos embora... tristes pelo diabo não querer a nossa alma... E porque de repente, caímos na realidade, que nada tem a ver com a que nos é transmitida pela publicidade. Os bancos não são amiguinhos que nos querem ajudar, são demónios, sanguessugas que querem o nosso dinheiro, para fazerem dinheiro em sua prol.
Contudo, quando conseguimos seduzir o diabo, passamos às formalidades legais... e eis que nos apresentam o contrato... cheio de letrinhas, parêntesis, notas de rodapé, chamadas a decretos-lei que não fazemos ideia do que se tratam, linguagem dúbia e imperceptível para a maioria das alminhas prestes a serem compradas.
No fundo, ao assinar o calhamaço da nossa desgraça, autorizamos que:
- vejam o nosso estado de saúde (sim... comprar uma alminha com alguma doença crónica é que não!),
- nos tirem tudo até ao tutano caso falhemos alguma prestação (quanto valerá a cuequita fio dental que estou a usar agora? Ora ora ora... dependerá certamente do gosto sublime do avaliador),
- Até a nossa liberdade percamos (refiro-me a liberdade “espacial” já que perdemos qualquer tipo de liberdade monetária) pois podemos ir presos, caso nos portemos mal no pagamento!
Ora... e tu? Quando vendes a tua alma ao diabo? Hahahaha! Suspeito que estejas ansiosa(o)!